quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Bad Girls vs Good Girls

Quebrar regras, dizer o que apetece, vestir looks impossíveis sem pensar duas vezes... será mesmo verdade que as boas meninas vão para o céu mas que as rebeldes vão para todo o lado? 

Tenho uma confissão a fazer: quando tinha 12anos, pus o termómetro debaixo de água quente para convencer os meus pais que tinha febre e não podia ir à escola. Essa foi, provavelmente, a coisa mais malvada que fiz durante toda a minha vida. E é estar finalmente a confessá-la. Sou uma menina bem comportada. Sempre fui. Com 27 anos, não me lembro de ter tido momentos de rebeldia. Quando era bebé dormia a noite toda e raramente chorava. Em adolescente, nunca faltei à escola e tinha óptimas notas. Agora, perto dos 30 anos, chego sempre a horas ao trabalho e pago as minhas contas antes do tempo. 
Mas confesso que, ultimamente, tenho pensado em como será ser rebelde, uma bad girl. Acho graça aos looks neo punks que vejo na passerelle e adoro a história da minha amiga que vai beber um copo à noite e acaba num quarto de hotel em Paris com uma estrela rock (a sorte dela é que sou demasiada querida para dizer nomes!). Há um elemento subversivo nesse tipo de comportamento que condeno e invejo na mesma medida. Se calhar, é a proximidade dos 30anos que me leva a pensar no que terei andado a perder por ser tão bem comportada. Será que, por arriscar menos, neguei a mim mesma menos experiências? 
Mas, agora, mesmo que queira, não consigo ser diferente. Deve haver um momento na nossa infância em que nos decidimos pelo bom ou mau comportamento. Ou, se calhar,  é escolhido para nós. Se, enquanto crescemos, ouvimos "És uma menina tão bem comportada" ou, pelo contrário, "Tens mesmo de te portar tão mal?", começamos a comportar-nos de acordo com o que nos dizem. E, uma vez escolhida a nossa posição, é difícil passar para o outro lado. A dificuldade em nos desviarmos do nosso código ético supera o desejo de agradar.
Quando estamos na casa dos 20 anos, a nossa personalidade é definida pelo trabalho e pelos relacionamentos. As rebeldes parecem  ter mais margem de manobra - para tudo! - mas e as boas raparigas? Nós parece que crescemos mais depressa. Eu nem sequer tenho as aventuras típicas de uma rapariga solteira para contar... Conheci a pessoa com quem agora estou a planear casar-me muito jovem e nunca tive a sensação de estar a perder alguma coisa. 
A minha amiga Joana, ao contrário de mim, sabe bem o que é trocar de lado. Ao longo do último ano fez, inconscientemente, a transição de rebelde para menina bem comportada. A mudança começou por a surpreender a ela própria. «Foi complicado dizer adeus àquela rapariga que eu fui durante anos» diz, «Mas à medida que me fui apercebendo de inevitabilidade de ter de me tornar mais adulta, comecei a fazer escolhas mais saudáveis. Entretanto conheci o meu namorado que é, sem dúvida, a melhor pessoa com quem já estive. Depois, sem me dar conta, tornei-me numa daquelas mulheres que costumava desprezar por detrás dos meus óculos escuros quando, aos domingos de manhã (de ressaca, em que mal conseguia pôr um pé à frente do outro) passavam por mim aqueles casais "irritantes, ecológicos e vegetarianos" com os seus leites de soja e saúde impecável. E agora eu faço parte de um desses casais!» Pergunto-lhe se sente falta do seu lado selvagem, «É difícil quando numa noite de sábado, os meus amigos me imaginam de tanga a dançar em cima do bar quando, na verdade, estou em casa a fazer sopa. Não me arrependo nada do meu passado, mas estou pronta para embarcar na mudança». 
Se calhar era isso que devíamos todas fazer: ter um período de excessos, que acabaria no momento em que as ressacas fossem demais para aguentar. Mas a razão pela qual nunca senti necessidade de ser rebelde é porque sempre me senti contente, aliás feliz, com o que tinha. Para quê mudar? Passei por aqueles períodos de angústia típicos dos adolescentes, mas sempre gostei da escola e sempre tive bons amigos. Mais: quase todos os meus professores eram simpáticos, por isso portar-me mal só porque sim, teria sido simplesmente perverso. Quando conto isto ao meu noivo, ele farta-se de rir. Desde os 5 aos 18 anos manteve o título não oficial d' O Mais Rebelde da Escola e tem um recorde de castigos que ainda hoje se fala. A ironia é que, de alguma forma, os professores sempre gostaram dele, tinha amigos fantásticos e acabou por se sair muito bem profissionalmente. Não devia estar desempregado, ter uma tatuagem, cadastro? Se calhar, levei os conselhos dos meus pais demasiado a sério... De onde virá toda esta minha benevolência? A minha mão diz-me que, quando eu era pequena, se ela me repreendesse, eu chorava. Sempre fui muito sensível, por isso talvez seja bem comportada por ter medo das repercussões. Mas tenho noção que nem tudo o que faço é fruto de altruísmo. Até porque ser boa demais pode acabar por ser negativo ao fazer com que os outros exijam mais de nós. Se nunca fomos rebeldes, as pessoas vão ter certas expectativas, não imaginam que sejamos capazes de dizer 'não' ou de as desiludir. Quando isso acontece é altamente ampliado numa proporção injusta. Um aniversário esquecido - "Como é que foste capaz?" -, uma observação mais arrogante - "Tu não és assim!" -, uma noite com mais excessos - "O que é que se passa? Estás a cair de bêbeda!". 
E aí somos confrontadas com um sentimento de injustiça. Se se é rebelde, é esperado um mau comportamento, encarado com um traço de personalidade excêntrico. Mas quando uma rapariga bem comportada faz uma asneira é uma desilusão. Por isso, se já em criança tinha aversão às criticas, agora considero-as insultos. Portei-me sempre tão bem que, quando alguma coisa menos boa acontece, sinto que devia estar isenta de culpas, porque o mereci. 
Enquanto escrevia este artigo, as pessoas que trabalham comigo divertiam-se imenso a sugerir imensas formas de eu me portar mal: "Bebe na segunda-feira à noite e não venhas trabalhar na terça.", "Ignora a chefe da próxima vez que ela te pedir para fazeres alguma coisa.". Foi difícil. Enquanto planeava cometer o maior pecado no local de trabalho e fingir que não ouvia a chefe, imaginava a nota que deixaria na sua secretária pedindo-lhe desculpa e explicando  que o tinha feito por causa do artigo. Quando me questionei acerca do porquê de não conseguir ser má, concluí que não era só por não estar habituada mas, principalmente, por o meu desejo de agradar. 
Claro que sei que tenho sorte por não ter uma vida complicada, que me tivesse levado a agir de forma mais indisciplinada. O pai da minha amiga Raquel abandonou-a a ela e à mãe quando ela tinha 3anos. A raiva e a angústia traduziram-se no comportamento cliché de uma bad girl - álcool, drogas e rebeldia. Em adolescentes desenvolvemos uma amizade improvável: ela procurava conforto na minha estabilidade e eu ria-me discretamente quando ela respondia mal a alguém e divertia-me a contornar as fronteiras do bom e do mau comportamento na sua companhia. Estávamos cada uma  numa ilha emocional diferente mas com suficiente inclinação para poder tocar a outra sem nos comprometermos. 
Acabei de escrever este artigo dois dias antes do prazo estabelecido. Uma das minhas colegas sugeriu que, em nome da investigação jornalística, eu entregasse o texto mais tarde. Três dias depois entreguei uma cópia à minha editora, com uma nota que dizia: "Peço imensa desculpa pelo atraso.". Bom eu tentei. 

Elle - Maio 2011




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